“Agora pode conter soja”. Lendo assim, a informação pode soar quase como o anúncio de um brinde, contudo, trata-se de um alerta de contaminação industrial que, conforme as regras de rotulagem da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), deve constar na embalagem dos produtos. Na verdade, advertências desse tipo são bastante comuns, sobretudo quando uma mesma indústria fabrica produtos que usam matérias-primas distintas, de forma que as máquinas podem conter vestígios de alguma substância anterior, que, por isso, mesmo que esses equipamentos passem por processos de higienização, pode acabar entre os ingredientes do próximo item. E como, para pessoas alérgicas e com intolerância alimentar, qualquer vestígio pode ser nocivo, a sinalização se faz necessária. Contudo, nesse caso específico, a maneira como o alerta foi feito – recorrendo à expressão “agora”, que emprestou ao informe um aspecto de novidade – repercutiu, sendo ironizada em um post viral no Twitter.

A história é apenas mais um exemplo da importância de uma leitura atenta e crítica dos rótulos de produtos de prateleiras, uma vez que muitas marcas buscam subterfúgios para soar mais atraentes aos consumidores, o que pode implicar dificuldades para se compreender a composição dos produtos. Outro caso emblemático desse problema passou a ser percebido em 22 de abril, quando uma nova legislação definiu que o alimento deve ter, pelo menos, 30% de ingredientes integrais para ser identificado dessa forma no rótulo. Logo, como noticiou o jornal “Folha de S.Paulo”, a expressão “100% integral” passou a ser substituída por “100% natural” e outras variações, como “vida 100%” e “100% nutrição”.

Na avaliação do nutricionista Felipe França, especializado em oxidologia e bioquímica celular, esse movimento das marcas de produtos industrializados pode gerar certa preocupação e desconfiança entre os consumidores. “Esta pode ser uma estratégia de marketing para dizer que o produto é saudável, porém a maioria dos alimentos de ‘prateleira’ contém muitos elementos químicos, que os fazem durar mais tempo para consumo. Estamos falando de conservantes que, em geral, não são naturais e podem fazer mal a pessoas que apresentam algum quadro de inflamação ou de alergia”, indica.

Sócio-fundador da Clínica Soloh de Nutrição, ele prossegue assegurando que a população pode se blindar contra esses subterfúgios ao adotar algumas medidas simples. “É fundamental, por exemplo, que, para tomar decisões alimentares conscientes, os consumidores leiam atentamente os rótulos dos produtos alimentares e prestem atenção às informações sobre ingredientes, alérgenos e alertas de contaminação”, aponta, lembrando que a atenção a essas descrições pode, inclusive, ajudar o consumidor a compreender se aquele item, vendido como “100% natural”, é de fato integral. “Um alimento integral é aquele que tem o processo de refinamento interrompido, então podemos quantificar a concentração de produtos integrais em um produto. Isso pode ser feito com a porcentagem da nova regra de rotulagem dos produtos”, observa.

França ainda lembra que, em conceito, um alimento natural é aquele que não passa por processos de refinamento ou adição de substâncias artificiais significativas. “Geralmente, é obtido diretamente da natureza, como frutas, legumes, verduras, carnes frescas, ovos, leite não processado, entre outros. Esses alimentos são minimamente processados, preservando sua forma original e seus nutrientes essenciais, sendo livres de aditivos, conservantes e outras substâncias químicas adicionadas durante a produção industrial”, pontua.

Dicas. Veja conselhos do nutricionista Felipe França que podem facilitar a leitura dos rótulos dos alimentos:

– Leia primeiramente a lista de ingredientes dos rótulos, ela é uma parte crucial do produto.

– Dê preferência sempre a produtos com uma lista de ingredientes curta e compreensível.

– Evite alimentos com muitos aditivos, conservantes, corantes artificiais e ingredientes desnecessários; geralmente essas substâncias são aquelas que não conhecemos, e algumas custamos a pronunciar.

– Observe sempre a localização de determinados ingredientes. Os ingredientes são listados em ordem decrescente, ou seja, do maior para o menor em termos de quantidade presente no produto. Se um ingrediente indesejado, como açúcar ou gordura saturada, estiver próximo do topo da lista, isso indica que o produto pode conter uma quantidade significativa dessas substâncias.

– Alguns produtos podem exibir selos ou certificações de qualidade – como orgânicos, sustentáveis, livres de transgênicos, entre outros. Essas certificações podem ajudar a identificar produtos que atendem a determinados padrões e critérios de qualidade.

– Devemos sempre ler e interpretar rótulos, e isso leva tempo e requer familiaridade com os termos e informações. Quanto mais você se familiarizar com a leitura de rótulos e os conceitos nutricionais básicos, mais fácil será tomar decisões conscientes e saudáveis no supermercado.

“Rótulos transparentes e compreensíveis fornecem informações precisas e relevantes sobre os alimentos. Isso permite que os consumidores tomem decisões alimentares informadas e conscientes, considerando sua saúde, preferências e restrições alimentares”, define Felipe França, que faz elogios às novas regras de rotulagem estabelecidas pela Anvisa.

O nutricionista sustenta que, ao entender os ingredientes, os valores nutricionais e os potenciais alérgenos presentes nos alimentos, as pessoas têm melhores condições para selecionar opções que contribuam para uma dieta equilibrada e adequada às suas necessidades. “Os rótulos transparentes e compreensíveis ajudam na promoção da saúde, prevenção de doenças; quando o consumidor tem uma leitura mais clara do que contém nos alimentos consumidos, essa transparência permite que as pessoas façam escolhas alimentares mais conscientes e informadas”, determina.

O que mudou. Conheça as novas regras para rótulos de alimentos no Brasil, em vigor desde outubro do ano passado. Vale lembrar que o descumprimento das regras pode levar a penas como advertência e multa por infração sanitária. Em alguns casos, pode haver a interdição do produto e o cancelamento de alvará do fabricante.

– A tabela de informação nutricional passa a ter apenas letras pretas e fundo branco. O objetivo é afastar a possibilidade de uso de contrastes que atrapalhem a legibilidade.

– Outra alteração será nas informações disponibilizadas na tabela, passando a ser obrigatória a declaração de açúcares totais e adicionados, do valor energético e de nutrientes por 100 gramas ou 100 mililitros.

– O número de porções por embalagem também passa a ser obrigatório.

– A tabela deve estar localizada próximo à lista de ingredientes e em superfície contínua, sem divisão. Ela não pode ser apresentada em áreas encobertas, locais deformados ou regiões de difícil visualização, exceto em produtos de embalagem pequena.

– A rotulagem nutricional frontal passa a ser considerada um símbolo informativo, que deve constar no painel da frente da embalagem. A ideia é expor, de forma clara e simples, sobre o alto conteúdo de nutrientes com relevância para a saúde.

– “Para tal, foi desenvolvido um design de lupa para identificar o alto teor de três nutrientes: açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio. O símbolo deverá ser aplicado na face frontal da embalagem, na parte superior, por ser uma área facilmente capturada pelo nosso olhar”, destaca a Anvisa.

Fonte: O Tempo