Transtorno tem crescido e está relacionado à ausência de políticas públicas de manejo da população de cães e gatos, avalia professora
Ambientes domésticos com dezenas e até centenas de cães e gatos juntos. Essa é uma realidade justificada muitas das vezes pelo desejo de resgate, mas que também evidencia um transtorno: o de acumulação de animais. Em muitos casos, não é possível promover bem-estar, além de tornar os espaços insalubres.
Com objetivo de preparar o poder público para lidar com esses casos, a Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) promove um projeto de extensão, destinado a agentes de saúde, veterinários e outros técnicos, além de gestores municipais. Lançado em 2020, o programa já promoveu palestras para mais de 200 cidades.
“É um problema pouco discutido no país, mas que tem crescido surpreendentemente por causa da superpopulação de cães e gatos e da ausência de políticas públicas de manejo ético populacional”, afirma a professora Danielle Ferreira de Magalhães Soares, da UFMG.
Conforme a docente, os municípios precisam desenvolver iniciativas para controlar o excedente de animais nas ruas. Ela avalia que muitos protetores de animais estão adoecendo também por excesso de compaixão e falta de opção para cuidar de tantos animais em situação de abandono e maus-tratos.
O incentivo à castração e à vacinação estão entre as medidas indicadas aos municípios. Além disso, a professora recomenda que casos de acumuladores de animais recebam amparo integral de saúde, com tratamento psicológico e psiquiátrico.
“Nossa capacitação com os agentes públicos envolve o ensino de uma metodologia de realização de recenseamento dos animais de seus municípios, que define critérios e classifica os tipos de acumuladores locais, e propõe estratégias para lidar com esse problema”, diz.
Além do programa de capacitação, o grupo coordenado pela professora Danielle também publicou, em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e com a Coordenadoria Estadual de Defesa da Fauna (Cedef), o Guia de atenção aos acumuladores de animais, leishmaniose visceral canina e esporotricose zoonótica.
O informe técnico, disponível para consulta, traz propostas para melhorar a qualidade de vida dos acumuladores, dos animais e das comunidades afetadas e orienta os promotores de Justiça de Meio Ambiente sobre o controle da leishmaniose e da esporotricose zoonótica.
Gatilhos emocionais
A professora Danielle explica que a prevenção é importante porque a literatura da área indica que existem gatilhos emocionais que podem levar as pessoas a acumular animais. Assim, o trabalho de prevenção deve contribuir para impedir a ocorrência desse tipo de situação.
Danielle exemplifica que mulheres que já passaram por algum trauma de perda familiar, doença grave ou violência tendem mais a acumular animais porque depositam neles sentimentos que deixaram de nutrir por seres humanos.
Manejo dos animais é desafio
Danielle afirma que o manejo ético populacional dos animais é essencial. Ela explica que, na maioria dos municípios, o manejo é feito com a retirada dos animais das casas dos acumuladores e a sua transferência para os canis públicos ou centros de controle de zoonoses.
Tais centros, segundo a professora, não têm capacidade de abrigar todos os animais recolhidos e, por isso, deveriam ser destinados apenas àqueles com suspeitas de doenças ou que aguardam cirurgias de castração.
“Os centros não têm capacidade para abrigar todos os animais que vivem no lar de um acumulador. Por isso, nosso programa envolve um trabalho em parceria com o Ministério Público para que não exijam o recolhimento obrigatório desses animais das casas dos acumuladores, pois o ideal é que o manejo ocorra no local onde eles já estão”, reitera a professora.
Danielle Magalhães avalia que o manejo deve ser feito na casa do acumulador, que, com suporte do poder público, consegue oferecer os cuidados necessários para que os animais vivam com qualidade.
Perfis
A professora Danielle Magalhães afirma que o problema da acumulação de animais é grave no Brasil porque o país tem uma cultura em que as pessoas descartam animais idosos ou que apresentam comportamentos indesejáveis. Esses bichos são abandonados na rua e podem acabar adotados por pessoas que, apesar de terem mais compaixão, não reúnem as condições necessárias para cuidar deles.
Ela acrescenta que os acumuladores de animais podem ser divididos em três grupos. O primeiro é formado pelas pessoas que têm compaixão pelos animais e atuam como “protetores”, mas, por motivo financeiro ou de saúde, perdem as condições de prover as cinco necessidades básicas dos animais.
O segundo grupo é formado por pessoas que acreditam que têm uma missão, ou seja, recolhem os animais abandonados porque acham que têm a obrigação de cuidar deles. São os “resgatadores” que costumam ter dificuldade de aceitar ajuda para o manejo dos animais.
O terceiro grupo, segundo Danielle, é formado pelos “exploradores”. Eles são a minoria e exploram o animal em benefício próprio. “Neste grupo, os maus tratos são intencionais. São pessoas que têm animais para controle de roedores, para cuidar da casa, entre outras funções. Nesses casos, além da presença dos agentes da prefeitura, há necessidade de intervenção policial ou judicial”, conclui a professora
Fonte: O tempo